Indulgência pelos Fiéis Defuntos
- 03/11/2025
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Ao celebrarmos a Comemoração de Todos os Fiéis Defuntos, o nosso olhar de fé se volta para o mistério da vida eterna e para a comunhão dos santos, que une a Igreja peregrina, a Igreja padecente e a Igreja triunfante. Nesse contexto, a Igreja nos convida, de modo especial, a oferecer orações, sacrifícios e indulgências pelos falecidos, como expressão concreta da caridade que ultrapassa a fronteira da morte.
A indulgência é um dos tesouros espirituais mais antigos e belos da tradição católica. Segundo o Catecismo da Igreja Católica (n. 1471), “a indulgência é a remissão diante de Deus da pena temporal devida pelos pecados já perdoados quanto à culpa, que o fiel, devidamente disposto e sob certas condições determinadas, obtém pela ação da Igreja”. Em outras palavras, trata-se de uma expressão da misericórdia divina que, por meio da Igreja, alcança o fiel arrependido, libertando-o das consequências do pecado e aproximando-o mais de Deus.
Durante o tempo em torno do dia 2 de novembro, a Igreja concede indulgências especiais aplicáveis às almas do purgatório. Entre os dias 1º e 8 de novembro, pode-se obter indulgência plenária, uma vez por dia, visitando um cemitério e rezando, mesmo que mentalmente, pelos falecidos, cumprindo-se as condições habituais: confissão sacramental, comunhão eucarística, oração nas intenções do Santo Padre e o afastamento de todo apego ao pecado, inclusive o venial.
Essa prática, mais do que um simples ato devocional, é uma profunda expressão de comunhão espiritual. O que fazemos em favor dos defuntos não é inútil nem simbólico: é eficaz pela graça de Cristo. Como ensina o livro de 2Macabeus 12,43-46, “é um santo e piedoso pensamento rezar pelos mortos, para que sejam livres de seus pecados”. Desde os primeiros séculos, os cristãos ofereceram orações e sacrifícios pelos falecidos, especialmente durante a celebração da Eucaristia, porque creram que o amor é mais forte que a morte (cf. Ct 8,6).
A indulgência pelos mortos é, portanto, um gesto de amor que atravessa o tempo e o espaço. Na lógica do Evangelho, quem ama não esquece, mas intercede, oferece e espera. A oração pelos defuntos é sinal da nossa fé na ressurreição e da nossa confiança na misericórdia divina. Jesus mesmo declarou: “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá” (Jo 11,25). Essa certeza sustenta a nossa esperança diante da saudade e do luto.
A indulgência também é uma escola de humildade e solidariedade espiritual. Ao oferecê-la pelos outros, reconhecemos que todos precisamos da misericórdia divina e que ninguém se salva sozinho. A comunhão dos santos é esse grande mistério de amor no qual o bem de um beneficia o outro, como ensina São Paulo: “Se um membro sofre, todos sofrem com ele; se um é honrado, todos se alegram com ele” (1Cor 12,26).
É importante compreender que a indulgência não substitui o arrependimento, nem é um “atalho” para o céu, mas um dom que flui da abundância da graça de Cristo e da intercessão da Igreja. Ela é um reflexo do amor redentor de Jesus, que “se entregou por todos” (1Tm 2,6) e abriu para nós o caminho da salvação.
No silêncio dos cemitérios e nas preces em nossas casas e igrejas, esse tempo nos recorda que os que partiram continuam presentes em Deus. Rezamos por eles com o coração cheio de esperança e, ao mesmo tempo, pedimos que, um dia, possamos nos unir plenamente a eles na glória do Pai. Como diz o salmista: “O Senhor é meu pastor, nada me faltará... Ainda que eu atravesse o vale escuro, nenhum mal temerei, pois estás comigo” (Sl 23,1.4).
Convido, pois, cada fiel a viver intensamente este tempo de graça, oferecendo orações, sacrifícios e indulgências pelos defuntos, com fé viva e coração agradecido. Que essa prática nos ajude a aprofundar nossa comunhão com Cristo e com todos os irmãos e irmãs que nos precederam na fé.
Que Maria, Mãe da Igreja e Consoladora dos Aflitos, interceda por todos os que dormem no Senhor e fortaleça em nós a esperança da vida eterna. E que o Senhor conceda aos nossos irmãos falecidos o descanso eterno, e a nós, peregrinos, o dom da perseverança final.
“O Senhor enxugará toda lágrima dos seus olhos, e a morte não existirá mais; não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as coisas antigas passaram” (Ap 21,4).
Amém.
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ
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